domingo, 7 de janeiro de 2018

Criações de bodes e carneiros crescem e ajudam sertanejos durante a seca nordestina

  • Criações de bodes e ovelhas aumentam no Nordeste Criações de bodes e ovelhas aumentam no Nordeste

Geraldo da Silva, 60, é um típico criador nordestino. Mora no sítio Saquinho, no pequeno município de Poção (a 241 km do Recife). Mesmo enfrentando uma seca severa desde 2012, conseguiu melhorar de vida.
O "milagre" em meio à falta de água veio pela criação de cabras, com o que conseguiu ter dinheiro inclusive para realizar a primeira festa de aniversário da mulher.
"A gente aqui não sabia o que era um aniversário. Mas, com a criação, tive dinheiro. Resolvi fazer, há três anos, e dei uma cabra a ela. Foi o primeiro presente que ela ganhou e ficou muito feliz", conta Geraldo, que cria 40 animais para produção de leite.
Ele deixou de lado a criação de vacas que possuía até 2012. "Se não fosse eles, não sei o que seria daqui, acho que eu teria ido embora."
A caprinocultura (criação de bodes e cabras) se tornou uma salvação para muitos sertanejos, que vivem sob estiagem prolongada no semiárido nordestino. A situação costumava vitimar os animais na região. Em 2012, por exemplo, pelo menos 4 milhões de animais morreram.

Desde o início da seca, os principais rebanhos da região encolheram, como os bovinos e suínos. Na contramão, bodes, ovelhas e carneiros cresceram.
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), o número de caprinos cresceu 6,4% entre o final de 2011 e o final de 2016, chegando a 9 milhões de animais no Nordeste --o que representa 91% do rebanho do país.
No caso dos ovinos, o crescimento foi ainda maior: 15%, alcançando 11,6 milhões de carneiros e ovelhas --o equivalente a 63% dos animais criados no Brasil.
Simon Plestenjak/UOL
Lei de cabra é vendido a preço hoje por quase o dobro do bovino

Criações reduzem êxodo

Pernambuco é destaque na criação de caprinos. O Estado tem 2,5 milhões desses animais, atrás apenas da Bahia, com 2,7 milhões (mas que tem uma área sete vezes maior do que a pernambucana).
"Estamos saindo de um período de seis anos de seca e, por incrível que pareça, nunca vi um caprino morto de fome", diz Paulo Fernando de Oliveira, técnico em agropecuária do Cedapp (Centro Diocesano de Apoio ao Pequeno Produtor, entidade que atua com assistência técnica em cidades do agreste).
Uma das vantagens de criar caprinos é o valor agregado, já que o leite da cabra hoje é vendido por quase o dobro do tradicional leite de vaca: R$ 2,03 e R$ 1,10, respectivamente.
"É um animal de rentabilidade rápida e ciclo de reprodução rápido e que tem garantido a sobrevivência em meio à seca. O êxodo rural diminuiu muito por ele, teve gente que já voltou do Sudeste para criar animais", completa Oliveira.

Confinamento para abater mais rápido



O jornalista Gustavo Acioli, que comprou um terreno para criar cordeiros
No sertão baiano, onde existem 3,5 milhões de ovinos, o jornalista Gustavo Acioli comprou uma pequena propriedade em Brumado (540 km de Salvador) há dois anos para apostar no cordeiro. Hoje, ele tem cerca de 250 animais.
No sítio, ele fica com os animais por um período entre 45 e 90 dias para engordar o cordeiro e revender para o abate. "Faço o que chamamos de terminação, que é só o confinamento. Compro o animal mais novo e submeto a uma dieta balanceada, permitindo que ele alcance um ponto de abate muito mais rápido do que se estivesse na caatinga", explica.
Ele conta que em 2015 decidiu estudar sobre a ovinocultura. Viu que o semiárido era um bom local para iniciar a produção.
Hoje, Acioli vende os cordeiros para o Distrito Federal e para São Paulo, onde há procura por animais de carne de primeira linha.
Ele diz que o mercado ainda tem espaço para expandir, mas que as criações precisam ser menos rudimentar.
"É um desafio para a nossa região melhorar a qualidade genética e a condição alimentar a que esses animais são submetidos. É importante que esse pequeno criador seja capaz de produzir um animal para um padrão mais exigente. Isso porque, se ele abater animais muito velhos, a carne estará bombardeada pelos hormônios da masculinidade do animal. Ou seja, não é só oferecer a carne, mas que carne você vai oferecer", diz.
Simon Plestenjak/UOL
Bodes e carneiros se adaptam à falta de oferta de folhagem no sertão

"Diminuíram em tamanho, mas ganharam adaptações"

A explicação para a sobrevivência de ovinos e caprinos no semiárido é genética. "Os ovinos e especialmente os caprinos têm habilidades diferenciadas que se adaptam bem à região. O bode e as cabras conseguem se alimentar na posição bípede e alcançam partes mais altas de vegetações que outros não alcançam, por exemplo", afirma Francisco Ramos, professor de departamento de zootecnia da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco).
"Já os ovinos são selecionadores médios e variam sua dieta. Na época de seca, eles também têm essa habilidade", completa.
Segundo Ramos, os caprinos e ovinos vivem no semiárido há pelo menos 400 anos. Hoje, as principais raças leiteiras têm origem europeia e se adaptaram ao clima local.
"Eles diminuíram em tamanho, mas ganharam adaptações", explica. "São grupos animais com grande potencial de produção. Desde que se dê condições a esses animais exóticos, eles sobrevivem."
O professor ainda explica que os animais sofrem com a seca, mas o clima local oferece vantagens para a criação. "Aqui as fêmeas estão no cio o ano inteiro. E, como chove pouco, diminui a incidência de verminoses", diz.
Ramos afirma que o número de animais no Nordeste ainda é pequeno. Segundo ele, cada caprino consome em média entre 4,5 litros de água por dia. "É pouca água, se comparar com uma vaca, que consome de 40 a 50 litros, e que não tem essa capacidade de alimentação que os caprinos têm. A caatinga tem oferta de forragem pequena", explica.

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